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Sinistro em estacionamento: tendências jurídicas e limites da responsabilidade do comerciante

29/04/2022

Analisando os indicadores de judicialização no varejo, verificamos dentre as principais incidências as ocorrências de sinistro em estacionamento. Elas vão desde incidentes simples envolvendo danos em veículo por choque de objetos, até eventos mais complexos como furtos e assaltos. É bem verdade que na maioria das vezes o estabelecimento comercial não tem qualquer contribuição ou poder de evitar o incidente, mas isto não tem impedido que sua responsabilização seja buscada no judiciário.

Via de regra todo aquele que causar dano a outrem tem o dever de indenizar. Nas relações de consumo, entretanto, os requisitos da responsabilidade civil são flexibilizados com o intento de dar maior proteção ao consumidor. Fruto disso, já em 1995, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula de n. 130, que apresenta a seguinte diretriz: “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”. Apesar da regra, é preciso entender que ela não se aplica de maneira absoluta, existindo limites da responsabilidade do estabelecimento comercial pelos incidentes em seus estacionamentos.

Do que temos monitorado aqui, as empresas são demandadas judicialmente pelos mais diversos acontecimentos: abalroamento de veículos, desentendimento entre clientes por vaga de estacionamento, furtos diversos etc. Mas afinal, seguindo a tendência do que vem sendo aplicado pelos tribunais, por quais desses fatos pode a empresa realmente ser responsabilizada?

O STJ vem defendendo o entendimento de que a Súmula 130, para ser aplicada, deve observar alguns preceitos. Aponta como primeiro requisito a necessidade de que a “vítima” seja, de fato, um consumidor. Ou seja, se a pessoa é um prestador de serviço ou apenas se valeu do estacionamento gratuito sem se colocar na posição de destinatário final de determinado produto ou serviço ofertado pelo estabelecimento, a relação de consumo não se caracteriza e, portanto – ao menos com base na súmula 130 – não pode haver responsabilidade.

Avançando, o segundo requisito é o de que o bem danificado seja um veículo, sem distinção de espécie, desde uma mera bicicleta a um automóvel de luxo. Com isso, já se afasta a pretensa responsabilização por furtos de objetos pessoais como carteira ou celular, bens que ordinariamente estão na esfera de proteção íntima do próprio consumidor. Isto ocorre porque a responsabilidade do comerciante deriva do dever de guarda que o estabelecimento tem para com os veículos que estão no seu estacionamento – o que não ocorre com as coisas que são mantidas na posse e vigilância do consumidor.

Em terceiro lugar é necessário que o fato tenha ocorrido dentro do estacionamento. É dizer, se um roubo de veículo ocorre na rua, ainda que logo na frente do estabelecimento, a loja não pode sofrer qualquer responsabilização. Neste caso, trata-se de reflexo da falha na segurança pública, sem qualquer gerência da empresa.

Por fim, exige-se também uma semelhança fática. Explica-se: enunciados de súmula (como o da de n. 130 do STJ) traduzem o entendimento de um tribunal sobre situações fáticas repetitivas; assim, não se pode aplicar o texto da súmula sem se verificar a obrigatória identidade fática entre os precedentes que a formaram e o caso concreto que está sob análise. Desta forma se nota que todos os julgados que consubstanciam a Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça tratam de furto ou roubo de veículo, não havendo qualquer decisão que reconheça a responsabilidade do estabelecimento com fundamento na súmula por arranhões ou abalroamentos, por exemplo, que repercutem verdadeira culpa exclusiva de terceiro – causa que afasta a responsabilidade do lojista, como prevê o Código de Defesa do Consumidor (Artigo 14, § 3º).

Com estas considerações observamos ser preciso uma diligente apuração dos incidentes que cheguem ao conhecimento da empresa, a fim de dar a melhor solução ao caso (que pode ser, inclusive, baseada em perspectivas de fidelização do cliente para além da aplicação a rigor do seu direito). A premissa deve ser sempre a de evitar a judicialização de demandas ou, ao menos, construir um cenário de provas que comprove alguma das causas justificadoras da ausência de responsabilidade do comerciante.

Importante ainda ter em vista que apesar de todos os cuidados a adequações das posturas adotas, em determinados episódios a judicialização pode ser inevitável pela visão do consumidor, que muitas das vezes pensa ter um direito que, a rigor, não tem. Se algum episódio deste vier a ser judicializado, deve-se chamar a cautela do juízo para as particularidades existentes no caso concreto, evitando-se – por conseguinte – uma indesejada e incorreta aplicação do que prevê o Código de Defesa do Consumidor e orienta o Superior Tribunal de Justiça.

Por Rodrigo Lima (líder do núcleo Cível-Contencioso no Fiedra, Britto & Ferreira Neto – Advocacia Empresarial) e Robert Santos (advogado atuante no bloco de demandas em juizados especiais do mesmo escritório).